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09/12/2022 às 14h15 - atualizada em 09/12/2022 às 19h17

Felipe Farias

Maceió / AL

Passa a faixa, tira a faixa; enquanto isso, nada muda com o ‘aquela ajudinha, meu patrão’
É importante? É. Simbólico? É. Mas, é meramente simbólico? Não.
Passa a faixa, tira a faixa; enquanto isso, nada muda com o ‘aquela ajudinha, meu patrão’

Afinal, vai ou não vai ter passagem da faixa?


Não bastasse o flagelo da fome, de a pobreza aumentar, dos cortes para a educação, para as universidades, nas bolsas para manter pesquisadores, do calote no Tribunal de Haia, no programa do carro-pipa e até quebrar o Rolls-Royce da Presidência – sem contar a já sem graça presepada nos quarteis – o atual governo ainda arruma uma polêmica, uma preocupação a mais.


Uma birra a mais.


É importante? É.


É simbólico? É.


Mas, é meramente simbólico? Não.


É simbólico – e é importante. É importante exatamente por isso.


Exemplo de tal importância, vimos na última quarta-feira (07), no vizinho Peru.


Poucas horas após anunciar a dissolução do Congresso, o presidente Pedro Castillo foi afastado e preso.


Era um golpe revestido de medida constitucional.


A vice, Dina Balouarte, tomou posse no lugar dele, para dar garantia de que seriam respeitadas as regras institucionais. Para restabelecer a desarrumação pretendida por Castillo.


E o que mais significou que era ela quem mandava, a partir de então, além de sua imagem em destaque, do momento em que fazia o juramento e se mostrava liderança?


O recebimento da faixa, que não veio de Castillo – óbvio; mas, porque ele estava preso.


Se víssemos, numa tevê sem som, só as imagens de Castillo – com a faixa – falando com ar grave e circunspecto; logo em seguida, sentado e cercado – sem faixa – e da vice – recebendo a faixa – poderíamos contar a história de que um perdeu o poder e outra o recebeu.


Vivemos num mundo simbólico. Somos seres simbólicos.


Afinal, quer coisa mais simbólica do que o momento que vivemos – de Copa do Mundo?


Toda uma estrutura foi erguida – e muitos operários pagaram com a vida para isso – para que o mundo possa travar uma guerra simbólica.


Caso uma esfera de gomos de couro, inflada com ar comprimido, passe por uma certa linha, milhões vão chorar de alegria ou de tristeza.


E agora, até se incorpora uma rede com dispositivos eletrônicos para garantir que a interpretação dos movimentos da esfera seja o mais fiel possível.


Mais simbólico que isso...


Um grupo de pessoas correndo atrás da esfera, com roupas de uma cor ou de outra; cuja cor mais o escudo no peito remetem às bandeiras nacionais e mais cores em bochechas, nas arquibancadas; em roupas, perucas e adereços que representam pedaços de terra por aí.


Símbolos, símbolos, símbolos.


Panis et circensis?


Com certeza – mas, que bata o primeiro pênalti para fora quem já não programou ao menos um encontro com amigos sob o pretexto de acompanhar um jogo da seleção em copa do mundo.


E qual a pertinência de se “discutir essa discussão”?


Porque algo assim não deveria ter mais tanta importância. Quebrar o Rolls-Royce, cortar verbas do MEC ou do carro-pipa não deveriam mais estar tendo que ser manchete – e, em particular com tom de denúncia. Não deveriam sequer mais ocorrer.


Deveríamos estar pensando para frente, com um governo sucedendo outro preocupando-se com questões grandes – não com o dilema passa-não-passa.


Por ser é simbólico? Não. Exatamente por tão simbólico.


Em suma, deveríamos ter mais maturidade.


Sou do tempo em que acompanhava com algum interesse em noticiários, quando o país saía da ditadura.


À época das primeiras eleições para governos estaduais, certa reportagem também sobre eleições num país europeu citou uma diferença que nunca mais me saiu da memória: enquanto aqui, todos vinham com o discurso de serem diferentes – o que representava se afastar do tempo nefasto que foi o período militar –, nesse país europeu, o discurso era exatamente o inverso: ninguém se apresentava como diferente.


Ninguém queria mudar nada!


Em suma: tudo funcionava tão bem, havia tanto tempo, que o que menos se queria era mudar alguma coisa.


Hoje, passadas mais de três décadas e meia daquele tempo, muitos candidatos se apresentam com o discurso de que serão a mudança, são o novo e por aí vai...


Enquanto isso, os mesmos sobrenomes continuam no poder, há uma casta de abastados e a imensa maioria sobrevivendo sabe-se lá como, com muitos catando ossos e outros tantos suplicando nas ruas por aí o famigerado “uma ajudinha, meu patrão”.


Enquanto discutimos símbolos que deveriam já estar incorporados à realidade, deixamos de fazer o básico para trazer à vida real a dignidade dos milhões que continuam a se arrastar pela vida como fazem nossos antepassados, já há alguns séculos, quando os símbolos eram outros – mas, o patrão (na época: senhor, sinhazinha) ainda é o mesmo.

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Com a palavra, Felipe Farias

Com a palavra, Felipe Farias

Blog/coluna Felipe Farias tem 33 anos de carreira no jornalismo. Passou por vários veículos impressos e também pela TV. Atualmente, apresenta o "Com a Palavra", no YouTube do Acta; e também é comentarista no "Jornal do Acta". Neste espaço, você vai encontrar análises e comentários a respeito do cenário político local e nacional.
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