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21/10/2022 às 00h17

Felipe Farias

Maceió / AL

Bruxas existem ou não?
Ou, ‘eu não tenho medo do escuro’, mas, não custa deixar as luzes acesas
Bruxas existem ou não?

A frase é um dito popular ibérico – mais precisamente da cultura galega: “no creo en brujas pero que las hay las hay”, ou seja, não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem...


Trazendo para o lirismo de um genial letrista brasileiro – que disse a mesma coisa, com outras palavras: “não tenho medo do escuro, mas [por via das dúvidas], deixe as luzes acesas”, escreveu Renato Russo.


A aparente falta de senso de alguns ditos populares (como o nosso: uma é uma coisa, outra coisa é outra coisa) encerra uma sabedoria que só o tempo, a experiência e ver situações que não acharíamos críveis há pouco tempo se configurarem bem diante dos olhos.


Em outras palavras: a História.


A situação, no caso, a presença do senador eleito pelo Paraná Sérgio Moro, no debate promovido por um consórcio de veículos de imprensa e transmitido pela rede Bandeirantes.


Analistas da grande mídia, já tidos como bolsonaristas, apontam que a presença, de início vista com surpresa por uns, encerra o desfecho do que há algum tempo seria uma teoria da conspiração.


Puxando para nosso mote, seria a segunda parte do ditado espanhol.


No começo, tínhamos – para usar a palavra da moda – uma narrativa bem articulada: o uso criminoso da maior estatal brasileira para corromper meio mundo de políticos – e um pouco mais – pelo partido que fizera sua história baseada no combate à corrupção.


Todas as investigações levavam ao PT, as fases todas da Lava-jato, as delações e o que mais se tinha. Até chegar-se à ida do ex-presidente a um triplex, que lhe seria dado em retribuição pelos agrados com tantos corruptos.


Mesmo o jornalista Leandro Demori, no documentário “Amigo secreto”, sobre o outro lado da operação – a chamada “Vaza-jato” –, admitiu que os veículos de imprensa recebiam os releases (matérias oficiais) da assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná sobre o caso e não se davam conta de executar um procedimento elementar em jornalismo.


Aliás, o mais elementar – com perdão da hipérbole: perguntar o básico, indagar o simples – e, às vezes, embaraçoso – “isto é mesmo verdade”? Qualquer notícia começa pela apuração. E toda apuração começa pela primeira pergunta que tem de ser respondida por qualquer reportagem: o quê?


Afinal release não é matéria. Quando muito, é sugestão de pauta, base, começo – mas, não o final.


Mas, o volume de material reportado pelas autoridades era tão grande; as denúncias, tão fortes; os alvos, tão poderosos e o esquema tão intrincado que somente uma explanação de Power Point para traduzir.


Uma onda que solapou aquela capacidade para contestar as informações “oficiais”.


Como se descobriu depois: eram para isso mesmo.


E, claro, a imagem que melhor serviu de ícone para tudo isso: os canos enferrujados pela corrupção jorrando dinheiro desviado de nossos bolsos que ilustravam a parte do principal telejornal do país dedicada ao tema – que, não poucas vezes, consumiu quase uma edição inteira.


Afinal, gente, quem iria duvidar das autoridades? Quem iria contestar que o objetivo de tão bem postados procuradores da República e de um juiz federal não seria outro que não acabar com o mal que assola o Brasil?


Não, não a fome – a corrupção.


Mal que tinha por trás de todo o esquema o outrora presidente mais popular da História do país, o que mais fundou instituições de ensino federais, porém, cometeu o erro imperdoável de permitir que o filho do pobre virasse médico ou que – supremo entre seus pecados, nas palavras do atual ministro da Economia Paulo Guedes – “as empregadas pudessem viajar para a Disney”.


Para os ricos brasileiros, direitos que o povo jamais deverá ter.


E pelo visto, não chamou tanto a atenção que o juiz tivesse deixado seu cargo para servir ao presidente eleito no lugar do outro, que ele mandou para a cadeia.


Não bastaram a escuta nos telefones de advogados desse ex-presidente ou que eles não tivessem acesso aos processos – o que dificultava seu trabalho.


Não bastaram as denúncias da Vaza-Jato, mostrando que a pessoa que acusa e a que vai julgar estavam o tempo todo acertando os pauzinhos para tocar um processo falso, enganar a imprensa e, por tabela, o povo que a consome.


Não bastaram as – agora – bem-sucedidas carreiras políticas do acusador e do juiz da Lava-jato, em partidos da base do mesmo presidente que a ação fraudulenta deles ajudou a eleger.


Cujo governo cobrou propina para comprar vacina, gastou com remédios ineficazes e cobra em ouro para atender os aliados e agora pode estar usando o dinheiro do orçamento secreto para levar milhares de pessoas para romaria ao Padre Cícero, com o objetivo de evitar que votem no adversário.


E pelo visto não bastará a aparição, agora, de Sérgio Moro, como fiel serviçal de Bolsonaro.


Porque, como já demonstrou grande parcela do eleitorado, o ditado espanhol deve ser tomado pela construção invertida: as bruxas existem, mas, eu não acredito.

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