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28/01/2023 às 20h29 - atualizada em 28/01/2023 às 20h48

Felipe Farias

Maceió / AL

Onde estávamos quando...
No final da última semana apareceu quem defenda a adoção de uma versão do Tribunal de Nuremberg
Onde estávamos quando...

Encerramos o uso deste espaço, da vez anterior, com proposição acerca de pretensa responsabilização de não apenas os responsáveis, de fato, mas, de todos – incluindo a nós.


Por quê?


Porque, a exemplo do que se dá em relação ao racismo, em que a conclamação passou de uma postura – digamos – passiva, para a propositiva, assim também deve se dar em relação a atentados à humanidade como o ataque à democracia, cometido pelos terroristas do dia 8, e a tragédia humanitária do povo Yanomami.


Em outras palavras, deve-se transpor o conceito contido no lema “não basta não ser racista; é preciso ser antirracista” para a atitude a se adotar em relação a violações desse tipo – seja contra quem for, contra o que for.


E voltemos, pois, à pergunta-chave: por quê?


Afinal, como lembra o autor e palestrante britânico Simon Sinek, autor da série de livros de motivação, no título mais recente: “Comece pelo porquê”.


Não à toa, o subtítulo é: “Como grandes líderes inspiram pessoas e equipes a agir”.


Para responder, recorro a outro motivador – e mesmo que não um best-seller.


Mas, foi como frases que em poucas palavras, sintetizavam toda uma carga de sabedoria, ensinamento e motivação que o reverendo Martin Luther King Jr. conseguiu mobilizar muito mais, com frases como a que se aplica a essa proposição: “o que me assusta não é o grito dos violentos, é o silêncio dos bons”.


As interpretações, derivações e ensinamentos podem ser milhares, porém, mesmo o que não diz está explicito: se os bons não fizerem nada, os maus – e seu mal – continuarão a proliferar.


A tragédia do povo indígena levou milhares a se chocar, compadecer, a ter empatia – e, como que atendendo à conclamação do líder pelos direitos civis estadunidense assassinado em abril de 1964, a se mobilizar.


Ao que consta, mais de dez mil pessoas já se voluntariaram a ajudar, de alguma forma – porém, diretamente – o povo indígena.


Uma pessoa de São Paulo respondeu a comentário que fiz no perfil de personalidade em âmbito nacional, dizendo-se chocada com as imagens, o quanto estava amargurada com a situação, ansiosa e apreensiva com o desejo de ajudar e não saber por onde.


Modestamente, sugeri-lhe recorrer a entidades da saúde, como a OPAS (Organização Panamericana da Saúde e o próprio Ministério – na gestão atual), conselho indigenista missionário ou até a congressista de lá, da região, do próprio estado em que se encontra a reserva.


Mas, neste caso, frisei – certificando-se, porém, de ser pessoa séria; não ligada aos interesses contrários à causa indígena.


Por que destaco? Na condição de não-celebridade, com poucos seguidores (para os padrões da rede social em questão) e tendo feito um comentário sem pretensão, ainda que também movido pela constatação de tamanho horror, a onda de choque era tamanha que bastava se mostrar solidário à causa, para motivar pessoas que sequer se conhece. Enfim, a exceção que confirma a regra.


Considero-o positivo.


A despeito de saber o quanto é razoável a advertência da filosofa Márcia Tiburi (“Como conversar com um fascista”) de não expor a imagem dos indígenas na condição deplorável e humilhante em que foram deixados.


E antes que se procure, de modo infame, descarado, relativizar a condição dos índios – o argumento mau-caráter de que não seriam brasileiros já foi devidamente destruído, com a demonstração de que isso não passa de mais uma fake news – recomenda-se visualizar vídeo que circula nas mesmas redes sociais em que a repórter Sônia Bridi relata como o garimpo ilegal acaba com a vida dos índios: além de exterminar suas reservas de alimento, o rio (tornado “zumbi”, nas palavras da repórter, pela contaminação) e a floresta (ao afastar a caça), os garimpeiros bandidos ainda roubam o cultivo das roças indígenas.


E por falar em nomes da grande mídia, neste sábado (28), a apresentadora da GloboNews Leila Steremberg publicou em seu perfil antiga foto de família em que aparece a bisavó, que morreu no Holocausto.


Extermínio.


As imagens aterradoras que circulam de duas semanas para cá são a etapa final de um processo. Que teve, no caminho, mais de 500 crianças mortas, somente em período recente – fora outros, cujos óbitos nem nos chegaram ao conhecimento.


E processo no qual já se sabe que vários órgãos, incluindo Exército, Funai e PF enviaram pelo menos 21 ofícios às autoridades maiores do país, pedindo providências – pedindo socorro. Sem que o governo Bolsonaro tenha movido uma palha – como se vê.


Processo que resgata falas antigas do ex-presidente, durante o mandato ou mesmo antes, destilando sua ira contra povos indígenas.


O que leva diversos críticos à conclusão de que não foi descaso: foi intenção.


Intenção que mobilizou alguns daqueles mesmos órgãos na consecução do projeto de extermínio: como a denúncia de que base da Funai foi usada pelos garimpeiros criminosos.


E, aí, vale de novo retomar a precaução contra os argumentos contrários e contra a carência cognitiva bolsonarista de rotular ações, pessoas, atitudes em “comunistas”, “patriotas”, “cidadãos de bem”; conforme a cartilha fascista de enquadrar para segregar.


Afinal – dirão – de que lado está a Funai?


A Funai “de” Marcelo Xavier, o ex-presidente que mais defendia interesses contrários a índios do que cumprir a missão do órgão que geria era contra os índios. Ponto.


Pelo que, após muita pressão e desgaste, ele acabou exonerado.


A Funai “de” Bruno Pereira defendia os povos indígenas, lá, no meio da floresta, na prática diária, de combater a pesca ilegal – pelo que o indigenista acabou assassinado.


Qual a diferença?


O tratamento dado por superiores: se for condescendente com o erro, os criminosos vão se sentir encorajados a agir, vão querer pagar para ver.


Se o tratamento for cumprir a lei, o criminoso se sentirá no devido lugar: na ilegalidade, clandestinidade, no erro – e será desencorajado a agir.


Não teremos a pretensão de levantar a analogia, mesmo porque fazê-lo é tão mau-caráter quanto prevaricar, roubar roça de índio ou adotar a inação como projeto bem definido de extermínio dos que classificam como obstáculo – mesmo que este seja um povo inteiro.


Mas, no final da última semana apareceu quem defenda a adoção de uma versão do Tribunal de Nuremberg, o julgamento de lideranças nazistas pelos crimes em campo de batalha, mas, em particular, pelas atrocidades do Holocausto.


Que a proposta venha a vingar!


Como lembrou o subprocurador Luciano Mariz Maia, ao cobrar que se “suba na cadeia” de responsabilidades.


Como lembra o jornal Folha de S.Paulo, que noticiou a manifestação, o representante do MPF atuou no único caso, até hoje, em que houve condenação por crime de genocídio, no Brasil.


Um massacre – cujas vítimas eram índios Yanomami e cometido por garimpeiros.


Após uma emboscada em que mataram quatro indígenas, um garimpeiro foi morto e, por vingança, em 23 de julho de 1992, chacinaram doze indígenas.


Foram mortos a tiros e golpes de facão um homem, duas idosas, uma mulher adulta, três adolescentes, quatro crianças e um bebê.


A maioria dos homens estava ausente, num ritual da etnia.


Três anos depois, os garimpeiros foram condenados.


No genocídio de agora – sabe-se – haveria uma intenção, um projeto deliberado, como mostram as evidências, incluindo as falas do próprio Bolsonaro de não autorizar mais demarcações de terras indígenas ou, quando era deputado federal, tornar sem efeito as demarcações existentes.


Pois, que se chegue aos servidores imediatos, a agentes de forças de segurança, funcionários da Funai, mas, também a autoridades da Esplanada dos Ministérios, da Praça dos Três Poderes.


Que se chegue a Marcelo Xavier, Eduardo Pazuello, Damares Alves, Jair Bolsonaro.


Afinal, como mostra a comoção que causam as imagens, o genocídio Yanomami é uma violação contra nós.


Mesmo assim, devemos fazer exame de consciência: onde estávamos quando eles chegaram ao poder? Onde estávamos quando disseram as atrocidades verbais que cometeram dia após dia nos últimos quatro anos?


Mas, isso é nosso culpa?


Se ficarmos em silêncio, será, sim.

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Com a palavra, Felipe Farias

Com a palavra, Felipe Farias

Blog/coluna Felipe Farias tem 33 anos de carreira no jornalismo. Passou por vários veículos impressos e também pela TV. Atualmente, apresenta o "Com a Palavra", no YouTube do Acta; e também é comentarista no "Jornal do Acta". Neste espaço, você vai encontrar análises e comentários a respeito do cenário político local e nacional.
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